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Porque hoje está chuva - O Escafandro e a Borboleta

"...No distintivo de identificação pregado na bata branca de Sandrine está escrito: ortofonista (terapeuta da fala), mas deveria ler-se: anjo da guarda. Foi ela quem me instaurou o código de comunicação sem o qual eu ficaria separado do mundo. Infelizmente, embora a maior parte dos meus amigos tenha adoptado o sistema, depois de uma aprendizagem, aqui, no hospital, só posso praticá-lo com Sandrine e uma psicóloga. Na maior parte das vezes, só disponho de um magro arsenal de mímica, piscadelas de olho e acenos de cabeça para pedir que fechem a porta, me dêem um pouco de água, baixem o som da televisão ou me subam a almofada. Ao longo das semanas, esta solidão forçada permitiu-me adquirir um certo estoicismo e compreender que a humanidade hospitalar se divide em dois tipos. Há a maioria que nunca atravessa a soleira da porta sem tentar entender os meus SOS e outros, menos conscienciosos, que se eclipsam, fingindo não ver os meus sinais de aflição.
(...) Para além dos aspectos práticos, esta incomunicabilidade pesa um pouco. Imagine-se como me sinto reconfortado duas vezes por dia quando Sandrine bate à porta, faz uma cara de esquilo apanhado em falta e expulsa de imediato todos os maus espíritos. O escafandro invisível que me envolve permanentemente parece menos opressivo."
O Escafandro e a Borboleta.
Jean-Dominique Bauby

Porque é importante sermos capazes de nos colocarmos do outro lado, de ajudarmos a aliviar o peso do escafandro.

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Estava há pouco a dar no telejornal um estudo feito (não me lembro por quem) sobre a sexualidade dos povos que revelou que os Portugueses eram dos que tinham uma média de relações sexuais por semana, mais elevada. Duas vezes por semana. Numa entrevista de rua, várias pessoas diziam que achavam que não era verdade, que os inquiridos mentiram nas sondagens, que ninguém tinha tempo "para isso" duas vezes por semana. Eu por acaso nem acho muito, se tivermos em conta o preço da electricidade, é normal que os Portugueses ten ham optado por desligar as luzes e deixar de ver televisão, dedicando-se a actividades mais em conta. Juntando a isto o frio que tem estado...faz todo o sentido...:)
Hoje numa sessão de Terapia da Fala vi um menino de nove anos em sofrimento. Tem muitas dificuldades e é posto de parte pelos colegas na escola, batem-lhe, tratam-no mal...Contou-me que sabe que é diferente, que na turma dele há outra menina, que também é diferente, e que os outros gozam com ela, mas ele não, porque também tem problemas e sabe o que é não ter ninguém que nos apoie. Disse-me assim. Acrescentou que de manhã acordou tão feliz porque ia estar com o primo ao fim da tarde...e que depois na escola lhe bateram, não pôde fazer a aula de educação física e ficou lá num canto...que o dia foi uma tragédia. "Preciso de esvaziar o cérebro, não consigo parar de pensar nisto!". Tentei acalmá-lo, animá-lo, traçar um plano com ele, dizer-lhe como agir se uma situação semelhante voltar a acontecer. No fim, dei-lhe um abraço e ofereci-lhe uma caneta colorida e ele disse-me "Obrigada...pela caneta...por tudo. Acho que a minha vida é injusta. Obrigada por me ouvires." ...