O momento em que desistimos de nos enganar, o momento em que o medo vence a curiosidade e desistimos do enlevo, do doce, irrepetível entusiasmo de aprender - prender - cada alguém; o momento em que dizemos "não vale a pena", "é sempre o mesmo"; o momento em que decretamos o fim da aventura e nos seguramos ao seguro, ao silêncio; o momento em que nos ensimesmamos (que verbo este) e corremos todos os ferrolhos e ligamos o alarme - não vá alguém entrar, passar as barbacãs e os fossos, galgar a última muralha - nesse momento estamos mortos. Não há outra forma de viver senão aceitando a norma que Philip Roth decreta em American Pastoral: "Erramos sobre as pessoas antes de as encontrarmos, enquanto antecipamos o encontro; erramos enquanto estamos com elas; e depois vamos para casa e contamos a alguém como foi o encontro, e erramos de novo."
(Excerto da crónica "Sermões Impossíveis - Errar outra vez" de Fernanda Câncio, revista JN.)
Comentários